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HISTÓRIA
E CARTOGRAFIA DA PAISAGEM POSSÍVEL
SOBRE A PINTURA E O DESENHO DE MANUEL VILARINHO |
A pesquisa plástica de Manuel Vilarinho tem
decorrido, nos últimos anos, sob o signo
de um dos géneros maiores da História
da Pintura - a paisagem. Todavia, não animam
o pintor propósitos de revivalismos pós-modernos,
apesar de, ao longo do seu percurso, ter procurado
constituir uma linguagem original que simultaneamente
se inscrevesse no intimismo auto-referencial e não
descurasse o olhar sobre a longa e multiforme herança
histórica da própria Pintura. Pelo
contrário, o seu desiderato é, claramente,
o de aumentar o campo do visível, na experimentação,
não apenas meramente linguística mas
iniludivelmente temática, das inesgotáveis
possibilidades oferecidas pelo género, à
medida que o olhar contemporâneo sobre a Natureza
e a Paisagem incessantemente se renova, modifica
e reestrutura.
O olhar profundamente
individualizado de Manuel Vilarinho sobre a Paisagem
revela-se, desde logo, numa ostensiva insatisfação
perante a ilusória ou pelo menos parcelar
verdade do "aparente" em favor das potencialidades
demiúrgicas do gesto artístico, criador
de novas visibilidades, construtor do real e da
própria realidade. Graças ao poder
mediatizador que a arte lhe confere, o pintor faz
aparecer, nas suas telas, um lugar plástico
e simbólico em que «poderes invisíveis
se revelem visíveis», emergindo seja
da força telúrica e regeneradora da
Terra, seja da passagem do Homem, com todas as suas
marcas e avatares, na queda como na redenção.
O ciclo de
três pinturas dedicado ao "Subsolo"
(1994) oferece-se algo misterioso e obscuro nos
motivos subterrâneos ou envolucrados que encena
assim como clarificador nas dinâmicas compositivas
que exploram os binómios transformação
/ descida e emergência / ascensionalidade,
enquanto no conjunto de onze telas denominado "Territorio
cáustico" (1995) a maior claridade
pictural emergente não esconde a fragmentação
/ justaposição dramática dos
planos de representação que se metamorfoseia
numa poderosa metáfora do desolamento perante
o rasto fundamentalmente destrutivo deixado pelo
Homem em todas as paisagens. Finalmente, na mais
recente fase desta magnânima revisitação
dos lugares possíveis da Paisagem, as oito
pinturas significativamente intituladas "Na
Montanha" (1996), tende-se para a restauração
da primordial unidade de visão, algures perdida
na busca analítica dos elementos e reencontrada
num caminho purgatório de conquista do "alto"
e da síntese pictórica.
A opção
serial no tratamento destes temas parece derivar
não exclusivamente de um desejo de variação
expressiva mas, sobretudo, de uma vontade narrativa
de imaginar e de fazer figurar no trabalho pictórico
essas "istorie", como gostaria de as
designar L. B. Alberti, afinal tão interiores
como exteriores à própria Pintura.
Os três ciclos "paisagísticos"
de Manuel Vilarinho tornam-se, assim, uma subtil
cartografia de uma verdadeira "imitação
do fazer" da Paisagem possível.
Na processualidade
global desta pintura um certo papel projectual é
sem dúvida desempenhado pelo desenho, o que
não prejudica, de modo algum, o seu carácter
autónomo. Nessa situação parecem
estar, sobretudo, os cinco desenhos da serie "sem
título" de 1988 e 1989, que de certa
maneira anunciam, mais do que prefiguram, alguns
motivos e temas das duas últimas séries
pictóricas. Os dez desenhos da série
"Duas Pedras" e, principalmente, os
dez apontamentos intitulados "As dez grandes
zonas abrangidas" (ambos de 1994) participam
da visão algo cartográfica que presidiu
igualmente à realização pictural
do grande cicio paisagístico. Contudo, a
globalização e a síntese pretendidas
na pintura são aqui claramente preteridas
em favor de uma visão micro, muito mais atenta
à analiticidade dos elementos figurais e às
subtilezas do fazer e dos materiais.
Em consequência,
se o campo de visão se restringe, aumenta
a atenção ao detalhe, a capacidade
de figurar a individualidade dos motivos e de cada
gesto criador, como se da Paisagem descêssemos
ao terreno da Natureza Morta. É o que premonitoriamente
acontece com os seis desenhos da série inédita
das voluptuosas, secretas e frágeis "Flores
Nocturnas" (1992), antes de se expandir nas
variações sensoriais e matéricas
das "Duas Pedras". Mas o passeio lucrativo
pelos grandes géneros pictóricos parece
não ter terminado: as duas últimas
séries de desenhos, "Lições
de Voo" (1995) e "Viagem de Elevador"
(1997), na sua curiosa e criativa exploração
do anedótico de motivos e referências,
não deixam de, a seu modo, reinventar as
"cenas de género".
Se é
verdade, como pensamos, que o desenho, em Manuel
Vilarinho, assume um carácter premonitório
face à sua pintura, e que o seu modo de abordar
as relações com a História
se pauta por uma reinvenção das referências
e não por uma retórica da citação,
auguramos a emergência de novos ciclos que,
como tem sido habitual, integram e superam o itinerário
anterior em boa hora antologiado nestas exposições. |
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Fernando
António Baptista Pereira |
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