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MANUEL
VILARINHO |
A
série de acrílicos sobre tela, (datados
de 90 e 91), que Manuel Vilarinho nos apresenta,
respira um claro carácter narrativo que se
desenvolve sobre um pleno azul. Os objectos são
figuras dominadas por uma invocação
marítima e evoluem, deixam-se reconhecer
através de rasgos de diferenciação
cuja linguagem vai "do figurativo ao informe",
como nos diz Maria Filomena Molder no texto do catálogo.
Esse modo de união enfrenta e percorre um
“jogo perigoso, um arco que se estende, por
acabar, da necessidade à possibilidade, do
figurativo ao informe ou, dito de outro modo, o
gosto pela figura e o chamamento do informe: os
seus sinais secretos: a luz da água e do
navio, a vigia do navio". (Do catálogo.)
Esta evolução
continuada que se apresenta como consequência
natural é a direcção sofrida
na narratividade construída das telas, particularmente
em "Navio/Vigia (I)" e "Navio/Vigia
(II)". Faz-se uso de uma constante proporcional,
de uma relação entre a audácia
construtiva e o alcance da sua compreensão
narrativa. Deste modo, também telas como
"0 Estranho Poder do R" e "Zona de
Escala" vivem da associação entre
uma explorada natureza, (simultaneamente preenchida
por coloridos e matizações que prendem,
a par de caracterizações de apelo
marítimo, um grupo de sentidos que diferenciam
e explicitam sentimentos, razões, usos e
mesmo um animado fôlego que é capaz
de criar na pintura um clima de gesta, de narração
onde o azul é causa e configuração),
e uma coexistência de sensações
geometrizantes.
Os elementos
de figuração geométrica surgem
somente como uma imediata intenção:
a de partir associações, a de quebrar
zonas e a de possibilitar inesperados pontos de
vista a partir de uma “escala”, de um
“R”, de uma taça ou de um colorido
fruto ou de um fantasiado “prado”.
As telas de
Manuel Vilarinho não ocultam um trabalho
passado (Galeria Leo, 1988 e 89, Loja do Desenho,
1990), antes o prolongam numa afirmada continuidade.
Nelas, os objectos são indício de
uma crua rudeza formal e são exemplos declarativos
deste ou daquele sentido, deste ou daquele efeito
sensível, os quais se movem numa aparente
e conseguida intenção construtiva.
No entanto, a mecânica de dizer - prado, intensidade
de azul, paisagem, mar, peixe, farol, ouriço,
navio, cais, esfera, céu -, é mais
do que simples metáfora. Ela representa mais
do que sitiado ponto de vista ou sequência
objectual. A narração, o dizer cumprem-se
nestes trabalhos como uma integração
que pontencializa o reino de um ser eleito, com
os seus domínios animados e inanimados. Essa
criatura escolhida é o pequeno títere
condutor de uma linguagem, na qual e pela qual a
pureza e a fidelidade formal tecem, constroem relações
de análise, buscas de laços e de uniões,
explicações de estruturas que se explicitam
no produzir pictórico.
"O Ouriço
a um Canto", "Zona de Escala", "Chão
a Oeste" desenvolvem-se adentro de uma concebida
e geométrica uniformidade que estimula o
que os objectos possam ter de mais peculiar. Igualmente
esse clima geometrizante vai atribuir um carácter
intenso à comunidade figurativa representada.
Por vezes, os objectos disputam a partilha do negro
- das zonas pintadas a negro -, e vão reforçar
a sua actuação a um certo sentido
incluso, por meio dos quais se dispõem a
oferecer, de um modo genuíno, a sua própria
identidade. E mesmo mais do que esta identidade,
a sua procedência, que sempre se reveste de
impenetrável mistério.
Desta partilha
do negro revestem-se telas como "Vejo um Prado",
"Zona de Escala" e "O Ouriço
a um Canto". De certo modo, pretendem testemunhar
as diversas maneiras que uma figura tem de explicar
as suas próprias disposições
naturais. Desse dar sinal de si sobreleva-se a configuração
e o seu próprio colorido, que se diferencia,
na pintura de Manuel Vilarinho, segundo uma proporcionalidade
particularmente original.
Reúnem-se
os objectos segundo uma mesma classe gramatical.
Eles - a tábua de objectos -, surgem como
seres dotados de personalidade, que se movem por
mercê da sua própria força.
É de admitir que guiem o destino do próprio
quadro, pois anunciam-se ante o nosso olhar como
fonte de prazer em si mesmo. Os objectos veículam
a constância da análise das formas.
Situam-se como pequenos monumentos capazes de assinalar
legados e relações; por isso, neles
se vai apoiar toda a estrutura (maior) do quadro
em que se encontram.
Temos presente
um significado estrito que o objecto - a figura
-, informa. Mas desta figura ressalta uma segunda
atribuição que se prende ao equilíbrio
dentro da totalidade da pintura; esse segundo estádio
traduz uma escrupulosa fidelidade à natureza
(mais) interna da obra. Aí convergem, num
objectivo geral, os objectos, as figuras, pois elas
não passam de uma pormenorização
necessária, de uma acção material,
por meio da qual se expressa e se "mostra"
a imaginação do interlocutor directo,
que é o pintor, com o lugar da pintura.
E o desenvolvimento da pintura de Manuel Vilarinho
pode aproximar-se da mescla (possível) de
tintas que pontenciam o tráfico - "Navio/Vigia",
"Linha de Cais", "Zona de Escala"
-, entre a cor e a língua franca do seu narrar.
E a pintura exerce o seu ponto de vista individual,
que nunca deixa de ser o sentimento por meio do
qual faz valer os seus direitos; isto é,
o uso da expressão. Argumento que é
o resultado de circunstâncias tão particulares
como a paixão e a sensibilidade, mas determinantes
da decisiva presença de uma pura convenção
representacional.
O que se mostra
e se representa, o que se enuncia na pintura prova-se
através da totalidade das etapas da sua formação.
Expressa-se naquilo que se extingue e que se pretende
ocultar para sempre. Se não, olhem para "Vejo
um Prado". Que mais se poderá ver para
além de uma cena arrastando sensorialmente
para um mar? |
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João
Miguel Fernandes Jorge |
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