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CONHECES ESTA ESTRADA?
      As ficções de um concreto entrecortado que se abstractiza quase constroem a pintura de Manuel Vilarinho e exprimem "coisas", das quais se não pode ver a sua origem. Essas ficções enviam-nos para o número limitado e, muitas vezes, repetido de objectos - o copo, a garrafa, os frutos, a árvore, as flores, a escada -, que contêm diferenças essenciais indispensáveis à esfera de conhecimentos de que se servem.
       Formas que são directamente "agarradas" a uma certa luz (às vezes matissiana, às vezes hopperiana, às vezes surrealizante); que conservam mediatas invocações dos primeiros vinte anos deste século; crescem a partir de uma intuição (sensível) que prende conceitos e terminologias a tipos herdados a um modo impressionista - o tratamento das árvores, por exemplo - logo cortado por uma invocação dos Fauve que podemos prolongar em posteriores momentos de Matisse, ou em descrições usuais de Charles Sheeler seduzido pelo cubismo. Conceitos geométricos instauram conceitos ideais e surgem tal como a "ponte" de luminosidades "No Meio da Estrada", ou permitem o diálogo interior/exterior em "Pela Casa Dentro".
       A esfera de conhecimentos usados serve o percurso dos objectos e estabelece -lhe uma desejada intensidade nos locais de repouso em "Um Vale Onde Beber"; ou de uma forma flutuante vai essa mesma esfera prender as árvores "arrumadas" por uma ordem estabelecida para um dado insólito, tal como tem lugar em "Uma Escultura no Parque".
       Criam-se nestas telas limites ideais que funcionam como princípio de descoberta, por vezes de um simples copo ou de um fruto que desencadeia objectos novos, verdadeiros frutos que a própria pintura constrói. Criam-se abstracções através de um dado momento pictórico que se desenvolve e eleva a uma região "nova"; uma região onde flutua a consciência de um objecto, ou o aparecer de um inesperado percurso, ou, ainda, a exactidão de um domínio conquistado. Este flutuar, em que habita uma "consistência" e onde se determina um "aparecer” e onde se percorre um "inesperado", toma lugar em "Em Volta do Terraço Branco", em "Estrada Muito Íngreme", em "Subir às Alturas de Escada", na tomada homenagem a Warhol de "Montanhas Para Um Lonesome Cowboy".
       Os objectos das telas de Manuel Vilarinho existem para terem utilidade em si. Jogam com a geometria, com os corpos geométricos da cor onde decorre o seu aparecer. "Montanhas Para um Lonesome Cowboy" sustenta, como muito da presente pintura, a imensidão de um espaço considerado em toda a sua plenitude concreta. Os objectos lançam a sua imagem de "coisa" e inserem-se num fluxo vivido, onde os volumes envolvem uma redução cubista. Também a geometrização vai lançar zonas de cor quase só água, ou a presença de uma cor plana que permite a proliferação de mais cor e a dos próprios objectos.
       Uma melancolia apaziguante guarda e enquadra os elementos desta pintura. A determinação fá-los aparecer no cenário escolhido, para, logo de seguida, a indeterminação os ocultar e os lançar num outro espaço onde oscila uma intermitente luz, ou o seu (quase) contrário, uma intermitente obscuridade. A imaginação (do pintor) impõe um conceito talvez sonhado, talvez vivido e fixa um triângulo de luz, uma geometria de cor, a terminologia copo, cómoda, candeeiro, árvore, etc.. Vai fixando os objectos que se perdem, que se perderam, ou que se irão perder; e vai tornando-os numa concretitude que flui, em qualquer coisa que não exclui a individualidade empírica e a facticidade.
       Azuis, verdes, vermelhos, brancos, negros e castanhos saúdam de um modo unívoco singularidades da imagem e estabelecem um corpo descritivo em que se destinguem imediatas realidades tornadas mediatas; por meio das quais o olhar dirige sentimentos sensíveis "sob um sol" que a pintura, mais do que o pintor, determinou que fosse "verde".
 
João Miguel Fernandes Jorge