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UM PASSO SEGURO QUE ANTEVÊ UMA CHEGADA INCERTA

      A subversão do sentido das coisas, do visível e da própria palavra, proporciona a réplica com uma nova relação do espaço temporal; assim como renovar, desarticulando relações, gera o confronto da expressão pictórica gestual com o desenho rigoroso do projecto arquitectónico. Com esta percepção, o autor, apresenta-nos uma perna como se tratasse de uma representação escultórica, em três dimensões - "A casa do pintor, a perna do escultor e o desenho do arquitecto". Tudo isto acontece numa mesma paisagem, no passeio pela tela, onde o autor apreende e confidencia a sua história: uma narrativa poética que revela o segredo e o abismo… O Pintor ao apropriar-se dos elementos que frequentam esses lugares, está-nos a revelar também uma outra possível dimensão, a dimensão própria das coisas, a que transporta consigo, ao mesmo tempo, os silêncios escondidos…quase sempre no lugar mais íntimo.
O passeio surge assim, na obra de Manuel Vilarinho, como um factor estruturante, um factor adjacente e inequívoco à própria experimentação individual de liberdade: um banal dia-a-dia pode ser suficientemente persuasivo para suscitar a interrogação, a dúvida, a incerteza, ou o pretexto, para um passo seguro que antevê uma chegada incerta. Por outro lado, o desassossego estimula a tormenta, nesta sua procura incessante para a sua obra de um carácter que aspira o ser único - a andança e a viagem são agentes singulares que ampliam a nossa exiguidade; e a deambulação pelos caminhos, campos, ruelas, montanhas, jardins, ou na terra lavrada, representam o autenticar solitário, destes e muitos outros lugares. A noção do total, do espaço e do tempo, propaga-se no exterior, lá fora, e vai muito para além do interior que povoamos, que conhecemos. Os espaços fechados, o enclausuramento, a que estamos destinados é brutal, nos dias de hoje, numa sociedade implacável como a nossa, e tendem a esconder o universo, a intimidade pessoal, o sonho: a cultura do consumo gera a ilusão de que vivemos num universo harmonioso.
Manuel Vilarinho ao pretender incorporar na sua pintura, o âmago da vida e obra literária de "Robert Walser", está a indicar-nos o seu caminho ("Dler Spaziergang"- Passeio e outras histórias), um olhar crítico atento, um sentido divergente/paralelo a este nosso mundo, contrapondo, por isso, ao grandioso - o pequeno, o pormenor, a filigrana, o arabesco. Deste modo descobrimos assim uma narrativa do grandioso de nada ser, de nada possuir, como condição de liberdade, grandemente potenciadora da afirmação de um percurso individual. O propósito é inscrever sobretudo na arte a emoção, o sentimento e a subjectividade, revirando todas as páginas impregnadas por um tempo nefasto, retrógrado, para dar todo o espaço à invenção! Ou, num outro sentido, uma certa consciência da nossa própria fragilidade nesta estrada sem retorno - "Estrada para Todtnauberg".
 
Rui Almeida Pereira