|
 |
|
 |
DIGRESSÕES DE UM PINTOR |
Composta por mais de vinte telas, com títulos como Periferia, Paisagem Próxima ou Paisagem com Ruínas, a mais recente exposição de Manuel Vilarinho, a decorrer na Galeria dos Escudeiros em Beja, atravessa seis anos de trabalho deste artista nascido em Lisboa em 1953. Pintura 1998-2003, assim se intitula a mostra, convida o visitante a entrar num universo denso e surpreendente que convoca lugares, impressões, memórias e saberes, fragmentos de uma inteligência sentida. Um universo onde as grandes e pequenas coisas reveladas ao pintor ao longo das suas digressões pela vida e pela arte partilham o mesmo espaço vital sem, no entanto, se sobreporem umas às outras: "Muitas das situações que eu gero em cada tela têm a ver com a noção de surpresa, de contacto, sem que, como muito bem se diz no texto do catálogo, haja a eleição de algo como sendo mais importante, em detrimento de algo que não será tão importante", explica Manuel Vilarinho à "Arquitectura e Vida".
Essa valorização, por igual, de todos os elementos captados pelo olhar cirúrgico do pintor remete para a ideia de passeio tal como a formulou Robert Walser em 1917, num texto intitulado, precisamente, O Passeio, do qual Manuel Vilarinho nos oferece um excerto no catálogo da mostra. Quando se lhe pergunta que relação pode existir entre os quadros expostos em Beja e as palavras do escritor suiço, o artista responde simplesmente: "As pessoas ainda contêm em si um factor de surpresa que, por vezes, surge no local mais pequeno e inesperado. E que coisa espectacular é isto para a pintura! Porque a minha pintura interessa-se por coisas que podem ser não só inexplicáveis, mas também surpreendentes". Nesse aspecto, garante, "o mais complicado é o pintor, com o domínio que tem das técnicas, conseguir manter-se autêntico, sem cair na desistência e no azedume perante milhares de coisas inautênticas que o rodeiam".
Na pintura de Manuel Vilarinho, a construção de um sentimento é tão importante como a consciência dessa construção. Por isso, as telas enchem-se de cores, formas e palavras que apelam tanto aos sentidos como ao intelecto: "A pintura não é uma mera imagem bem construída, tem de ser sentida, tem de ser algo que faça os outros vibrar, nao apenas pelas qualidades técnicas, mas por todas as qualidades de sentimento que transmite. Por outro lado, pode-se fazer uma pintura extremamente sensível, cheia de emoções e ao mesmo tempo, fazer uma pintura cerebral em que a inteligência tenha um papel importante. Penso que é aí, na conjugação dessas componentes, que a pintura se pode aguentar." Mas de onde vem a inteligência da pintura? Para Manuel Vilarinho, "vem, em parte, do aspecto cerebral, do contacto com os materiais e da reflexão sobre o que se vai fazendo, muitas vezes sem ser programado. Vem da inteligência sobre o próprio acto de pintar pintando, e surge no momento." |
|
Vladimiro Nunes |
|
|
|
|
|
|
|