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MANUEL VILARINHO
      É imprudente misturarmos as águas, a terra com o céu, a pedra com um charco, um garfo e a areia, as memórias perdidas, "um insecto que ampliado pode ser um lacrau ou uma barata", o norte e o sul, um monte e uma planície, uma erva daninha com uma flor, o volume com o vazio e a pincelada do pintor que define viagens... que caminham para o sonho? Enfim, olhar para tanta coisa, tanto ar e tanta terra e encontrarmo-nos, continuamente, numa amálgama que são as naturezas mais ou menos mortas, ou vivas: acontecimentos dos lugares que formam a eterna existência poética; letras e cores e outras formas que nos despertam para um mundo noutra dimensão. Por outro lado, pressente-se, claramente, que Manuel Vilarinho é refém do que conhece em cada uma das suas telas: mergulha no mundo que o rodeia, mas não o pretende seleccionar, direccionar, ou encaminhar. O pintor aproxima venenos ou antídotos, a memória apagada ou o que dela perdura, porque o abandono desmorona o que há de mais belo na vida. Nada na sua obra é irreflectido, porque é o real sentido que se quer transpor para a tela. O artista expressa-se na tela numa procura permanente sem nunca encontrar o desfecho do seu diário de viagens: são registos sem promessa de regresso e, ao mesmo tempo, um arquivo vivo das suas recordações. É curioso verificar que o pintor identifica cada uma das suas telas com o nome, a ideia/título e, no que concerne à identificação da sua exposição, fica-se pela referência da técnica e do tempo da sua criação - Pintura 1998 - 2003. Será porque o que o artista pinta hoje são coisas que não se podem engajar? Não têm um corpo de conjunto? São os estímulos externos que actuam sobre o artista para construir e organizar o seu próprio conhecimento dentro dum espaço que é amplamente aberto? Estamos convictos que Manuel Vilarinho ao desprender-se de qualquer tipo de orientação, estética ou formal, está, ao mesmo tempo, a alertar-nos para estarmos atentos à realidade, inexorável, que nos rodeia, sem exclusões das partes, porque só assim nos poderemos conhecer melhor e respeitar a existência, que passa tambem pela inteligência e capacidade de não se menosprezar o que parece errado ou acertado, o que julgamos mais fraco ou mais forte, o mais humilde ou o mais vaidoso; o conhecimento surge sempre no sentido mais lato que é o somatório de todas as formas dos saberes conhecidos, mais os que faltam por descobrir. Negligenciar a compra dum bilhete é pôr em causa tudo o que é consistente no trajecto que se deseja das coisas do íntimo. Uma viagem, por exemplo, deve passar por todas as paragens possíveis e imaginárias; falta sempre conhecer, em parte incerta, uma outra coisa ou um novo acontecimento: paisagens próximas; ruínas; periferia... Manuel Vilarinho cognitivamente capta o ambiente e organiza-o nas telas com formas que podem ser geométricas ou figurativas: paisagens da natureza - montes, arbustos, com cores verdes, com castanhos terrenos, a terra encarnada - onde se abrem caminhos, locais de passagem por onde vagueiam os viajantes; vistas que se colam, que se justapõem, nos seus planos diversos, como o somatório dum conjunto de colagens de ambientes, de objectos da natureza e, também, do mundo urbano, as ruínas, os sinais, as letras que sinalizam os caminhos, as chaminés, as paredes com o tijolo à vista desarmada, os muros construídos, um labirinto que é o caminho, muitas formas indefinidas, a pincelada rude, um traço expressivo e a cor e as formas encontram-se neste aglomerado de emoções, visões da paisagem, recortes registados na tela pintada. Manuel Vilarinho imprime nas telas a intensidade do olhar, como se descrevesse as suas visões duma janela que se abre à expressão plástica: uma aceleração em voo que se distribui, simultaneamente, nas quatro direcções. Em síntese: pelo Desfiladeiro descobre estes seis anos de Pintura.
 
Rui Almeida Pereira